A
Diversidade Dentro e Fora do karatê: é necessidade do ser humano tentar
padronizar o outro?
É
interessante observar o quanto algumas pessoas insistem com veemência na
atitude de padronizar (ou ao menos tentar padronizar) o comportamento, a
vestimenta e (o mais perigoso) o pensamento do ser humano.
Será
isso resquício de uma cultura militarizada-militarizante? Ou será que passa por
uma insegurança psicológica (levando-se em conta a relação entre autoritarismo
e insegurança)?
Ainda
assim, pode-se observar também que todas estas tentativas de padronização são
infrutíferas, se optarmos por sair dos aspectos superficiais e aprofundarmos um
pouco mais, considerando não só o modo de vestir e falar, mas todo o
comportamento que envolve o ser humano.
Por
mais que se queira fingir que somos iguais, há uma gama de diferenças que não
só podem ser consideradas muito positivas (tudo depende de sua visão de mundo:
se você é um dos que deseja ver todos usando o mesmo UNIforme, provavelmente
não verá muito de positivo nessas diferenças), como nos faz seres únicos,
insubstituíveis, inigualáveis e por isso mesmo, fundamentais para construção de
uma sociedade mais justa e que leve em conta a diferença como fator primordial
para o entendimento do ser humano.
Olhando mais especificamente para o caso do
Karatê, onde há uma tentativa constante em incluir a atividade nos Jogos
Olímpicos, uma série de medidas vem sendo tomadas ao longo dos anos pelas
instituições internacionais, para que o “Esporte Karatê” se torne mais
dinâmico, interessante tanto para o atleta, quanto para o público. Pode-se
dizer inclusive que neste sentido tem-se alcançado algum êxito, considerando-se
que as lutas de competição tornaram-se mesmo mais dinâmicas, ricas em termos de
movimento e mais atraentes para o público (lembro agora do Pan Americano de
2007, no Rio de Janeiro, onde pude assistir e torcer muito para Juarez Silva,
Douglas Brose, Lucélia Ribeiro, Carlos Lourenço, dentre outros, num ginásio
lotado por um público em sua maioria de praticantes de Karatê).
Porém,
por mais que se tente padronizar, seja porque motivo for, sempre haverá a
sombra do fracasso. Por um motivo simples: É impossível! O que no caso do
Esporte de massa se torna interessante, pois é justamente quem sai da
padronização, ou seja, quem faz diferente dos demais, é que aparece para o
grande público, tornando-se o “criativo”, “inovador”, etc.
No
caso do Karatê de competição podemos lembrar de nomes como Douglas Brose
(dentre outras coisas, campeão mundial em 2010), Lucélia Ribeiro (única mulher
a conseguir ser Tetra campeã Pan-Americana), Ciça (Campeã Mundial em 2008) e
até os internacionais Agayev, Piná, Valdesi (dentre tantos outros). Todos
atletas de altíssimo nível, que treinaram exaustivamente suas técnicas,
seguindo todo um padrão de treinamento. Mas seu diferencial, ou seja, o que os
fez destacarem-se dos outros (que muitas vezes treinam tanto quanto eles), foi
sua criatividade, sua capacidade de fugir do padrão na hora certa, seu
improviso.
Podemos
considerar até que uma coisa não é possível de existir sem a outra: para que
alguém fuja de um padrão é necessário que o mesmo exista. E se todos começarem
a fugir de determinado padrão, para mostrarem-se criativos, este acontecimento,
por si só, também será um novo padrão.
Mas
então, se sempre teremos um padrão presente, qual a importância em se querer
que não sejamos padronizados?
Os
padrões existem e fazem parte da natureza: todos os seres humanos respiram,
veem, ouvem e falam utilizando-se dos mesmos meios, dos mesmos órgãos. Isso é
um padrão natural. Porém, quando você treina um atleta para respirar “mais
forte pela boca”, seguindo determinado ritmo, você está criando um padrão
condicionado, que não acrescenta nada (ou muito pouco) à vida daquele sujeito,
principalmente quando este condicionamento está relacionado com ganho de
medalhas, moda do momento e / ou reprodução de um modelo de competição.
Ouvi
muitas vezes o argumento de que o “karatê tem que ser um só. Enquanto estiver
assim, cheio de estilos e federações, vai continuar dividido”. O que geralmente
respondo a essas pessoas é que o Karatê já é um só e que não é o fato de terem
diversos estilos, federações ou regras distintas, que fará com que ele torne-se
mais de um.
O
planeta Terra deixou de ser um quando se dividiu em cinco continentes? Cada
continente possui sua língua, cultura e modos de vida distintos uns dos outros
– sem dizer que dentro de um mesmo continente existem várias línguas, culturas
e modos de vida diferentes – e a meu ver, uns tão importantes quanto os outros.
E nem por isso o ser humano, espécie homo sapiens, deixou de ser um só. Magda
Soares faz uma relação semelhante reportando-se à cultura e ao tratamento que
damos ao diferente:
“O que se deve reconhecer é que há uma
diversidade de “culturas”, diferentes umas das outras, mas todas igualmente
estruturadas, coerentes, complexas. Qualquer hierarquização de culturas seria
cientificamente incorreta” (SOARES, 2008, p.17).
Lembrando
Funakoshi em “Karatê-Do – Meu Modo de Vida” (1975), ele nos diz que se for para
falar em estilos, teremos que levar em conta que cada pessoa tem um estilo
próprio, único, de forma que duas pessoas, mesmo que sejam “do mesmo
estilo”, aprendem e reproduzem de modo diferente o que vivenciaram. E anos mais
tarde ao serem perguntadas sobre o mesmo fato, é bem capaz de cada uma destacar um detalhe diferente, pois até a forma de viverem uma situação é diferenciada,
individualizada.
Desta
forma, querer padronizar o ser humano de maneira condicionada, será sempre um
exercício vão, pois o mesmo sempre encontrará formas de se expressar
autenticamente, unicamente e de um jeito que nenhum outro ser humano foi capaz
de fazer.
Ainda
assim, encerro este escrito com um cumprimento padrão: Osu! (Mas ao fazê-lo,
fique a vontade para se inclinar mais ou menos, olhando para frente ou
abaixando a cabeça. No fim, quem decide é você).
2 comentários:
A padronização tema seus aspectos se me permite, quanto a natureza esta é formada por padrões, e se não me engano padrões matemáticos, quando falamos em pessoas a padronização serve no sentido de ordem, continuidade, como bem cita no militarismos... A individualidade em contrapartida à padronização nos faz únicos ante a sociedade...
No karatê o único exemplo realmente de padronização são as regras de competição... Se formos analisar as diversas escolas dentro de um mesmo estilo acharemos várias diferenças... E são estas diferenças que, por incrível que pareça, o padronizam...
Devemos padronizar as diferenças e extrair delas o melhor, para que aí sim sejamos unificados!
Excelente reflexão meu amigo :)
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