sábado, 23 de novembro de 2013

A Diversidade Dentro e Fora do karatê: é necessidade do ser humano tentar padronizar o outro?

É interessante observar o quanto algumas pessoas insistem com veemência na atitude de padronizar (ou ao menos tentar padronizar) o comportamento, a vestimenta e (o mais perigoso) o pensamento do ser humano.
Será isso resquício de uma cultura militarizada-militarizante? Ou será que passa por uma insegurança psicológica (levando-se em conta a relação entre autoritarismo e insegurança)?
Ainda assim, pode-se observar também que todas estas tentativas de padronização são infrutíferas, se optarmos por sair dos aspectos superficiais e aprofundarmos um pouco mais, considerando não só o modo de vestir e falar, mas todo o comportamento que envolve o ser humano.
Por mais que se queira fingir que somos iguais, há uma gama de diferenças que não só podem ser consideradas muito positivas (tudo depende de sua visão de mundo: se você é um dos que deseja ver todos usando o mesmo UNIforme, provavelmente não verá muito de positivo nessas diferenças), como nos faz seres únicos, insubstituíveis, inigualáveis e por isso mesmo, fundamentais para construção de uma sociedade mais justa e que leve em conta a diferença como fator primordial para o entendimento do ser humano.
 Olhando mais especificamente para o caso do Karatê, onde há uma tentativa constante em incluir a atividade nos Jogos Olímpicos, uma série de medidas vem sendo tomadas ao longo dos anos pelas instituições internacionais, para que o “Esporte Karatê” se torne mais dinâmico, interessante tanto para o atleta, quanto para o público. Pode-se dizer inclusive que neste sentido tem-se alcançado algum êxito, considerando-se que as lutas de competição tornaram-se mesmo mais dinâmicas, ricas em termos de movimento e mais atraentes para o público (lembro agora do Pan Americano de 2007, no Rio de Janeiro, onde pude assistir e torcer muito para Juarez Silva, Douglas Brose, Lucélia Ribeiro, Carlos Lourenço, dentre outros, num ginásio lotado por um público em sua maioria de praticantes de Karatê).

Porém, por mais que se tente padronizar, seja porque motivo for, sempre haverá a sombra do fracasso. Por um motivo simples: É impossível! O que no caso do Esporte de massa se torna interessante, pois é justamente quem sai da padronização, ou seja, quem faz diferente dos demais, é que aparece para o grande público, tornando-se o “criativo”, “inovador”, etc.
No caso do Karatê de competição podemos lembrar de nomes como Douglas Brose (dentre outras coisas, campeão mundial em 2010), Lucélia Ribeiro (única mulher a conseguir ser Tetra campeã Pan-Americana), Ciça (Campeã Mundial em 2008) e até os internacionais Agayev, Piná, Valdesi (dentre tantos outros). Todos atletas de altíssimo nível, que treinaram exaustivamente suas técnicas, seguindo todo um padrão de treinamento. Mas seu diferencial, ou seja, o que os fez destacarem-se dos outros (que muitas vezes treinam tanto quanto eles), foi sua criatividade, sua capacidade de fugir do padrão na hora certa, seu improviso.
Podemos considerar até que uma coisa não é possível de existir sem a outra: para que alguém fuja de um padrão é necessário que o mesmo exista. E se todos começarem a fugir de determinado padrão, para mostrarem-se criativos, este acontecimento, por si só, também será um novo padrão.
Mas então, se sempre teremos um padrão presente, qual a importância em se querer que não sejamos padronizados?
Os padrões existem e fazem parte da natureza: todos os seres humanos respiram, veem, ouvem e falam utilizando-se dos mesmos meios, dos mesmos órgãos. Isso é um padrão natural. Porém, quando você treina um atleta para respirar “mais forte pela boca”, seguindo determinado ritmo, você está criando um padrão condicionado, que não acrescenta nada (ou muito pouco) à vida daquele sujeito, principalmente quando este condicionamento está relacionado com ganho de medalhas, moda do momento e / ou reprodução de um modelo de competição.
Ouvi muitas vezes o argumento de que o “karatê tem que ser um só. Enquanto estiver assim, cheio de estilos e federações, vai continuar dividido”. O que geralmente respondo a essas pessoas é que o Karatê já é um só e que não é o fato de terem diversos estilos, federações ou regras distintas, que fará com que ele torne-se mais de um.
O planeta Terra deixou de ser um quando se dividiu em cinco continentes? Cada continente possui sua língua, cultura e modos de vida distintos uns dos outros – sem dizer que dentro de um mesmo continente existem várias línguas, culturas e modos de vida diferentes – e a meu ver, uns tão importantes quanto os outros. E nem por isso o ser humano, espécie homo sapiens, deixou de ser um só. Magda Soares faz uma relação semelhante reportando-se à cultura e ao tratamento que damos ao diferente:
“O que se deve reconhecer é que há uma diversidade de “culturas”, diferentes umas das outras, mas todas igualmente estruturadas, coerentes, complexas. Qualquer hierarquização de culturas seria cientificamente incorreta” (SOARES, 2008, p.17).
Lembrando Funakoshi em “Karatê-Do – Meu Modo de Vida” (1975), ele nos diz que se for para falar em estilos, teremos que levar em conta que cada pessoa tem um estilo próprio, único, de forma que duas pessoas, mesmo que sejam “do mesmo estilo”, aprendem e reproduzem de modo diferente o que vivenciaram. E anos mais tarde ao serem perguntadas sobre o mesmo fato, é bem capaz de cada uma destacar um detalhe diferente, pois até a forma de viverem uma situação é diferenciada, individualizada.

Desta forma, querer padronizar o ser humano de maneira condicionada, será sempre um exercício vão, pois o mesmo sempre encontrará formas de se expressar autenticamente, unicamente e de um jeito que nenhum outro ser humano foi capaz de fazer.
Ainda assim, encerro este escrito com um cumprimento padrão: Osu! (Mas ao fazê-lo, fique a vontade para se inclinar mais ou menos, olhando para frente ou abaixando a cabeça. No fim, quem decide é você).