domingo, 2 de junho de 2013




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Como combinado, a cada mês vou disponibilizar um escrito meu (ou de outra pessoa) que tenha  a ver com educação / educação física / arte e assuntos afins.

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Grande Abraço, Marcel Cavalcante

Começo com meu artigo:

 "A CRIANÇA E O KARATE-DO: A IMPORTÂNCIA DA LUDICIDADE NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM"
Resumo: Muito tem se pesquisado na atualidade sobre a importância de se ter um olhar especial à criança. Contudo é possível observar que na práxis, este pensamento ainda não acontece de forma mais concreta. O presente trabalho tem como objetivo: demonstrar a importância de se ter um olhar diferenciado para a criança enquanto ser humano em formação, enfatizando-se o quanto a ludicidade pode e deve estar presente nas aulas de Karate[1]. Metodologicamente este trabalho pode ser considerado de revisão bibliográfica. Que este trabalho possa provocar uma reflexão sobre a importância de se lidar com a criança de maneira especial.

Palavras-chave: Criança – Karate-Do – Ludicidade – Ensino-Aprendizagem


Continua...
A CRIANÇA E O KARATE-DO (continuação)
Introdução
Muito tem se pesquisado na atualidade sobre a importância de se ter um olhar especial à criança, no sentido de não mais encará-la como um adulto em miniatura e sim como um sujeito com necessidades próprias, inerentes à sua idade. Contudo é possível observar que na práxis (Vázquez, 1990), este pensamento ainda não acontece de forma mais concreta. O que se percebe, são treinamentos intensos com um tempo de duração acima do indicado, para alunos que deveriam estar descobrindo através do lúdico, o prazer em se praticar uma atividade física. Talvez esta situação se apresente pela formação ainda deficiente dos professores desta modalidade. Infelizmente, muitos ainda vêem a formação em Educação Física como algo desnecessário.
O resultado deste panorama é a especialização precoce do indivíduo, limitando seu repertório psicomotor a movimentos condicionados e específicos do Karate de Competição, além do risco cada vez maior de lesões articulares, devido ao treinamento excessivo.
Este trabalho se propõe a demonstrar a importância em se respeitar a criança enquanto ser humano em formação, de maneira integral e ética, proporcionando a esta uma diversidade de atividades, jogos e informações apropriadas à faixa-etária, através da ludicidade e utilizando-se do Karate-Do como instrumento pedagógico para tal intervenção.
O Objetivo principal do presente trabalho é demonstrar a importância de se ter um olhar diferenciado para a criança enquanto ser humano em formação, enfatizando-se o quanto a ludicidade pode e deve estar presente nas aulas de Karate.

Metodologia

Metodologicamente este trabalho pode ser considerado de revisão bibliográfica, por terem sidos consultados diversos autores que escreveram trabalhos significativos nesta área, servindo de importante fundamentação teórica, contribuindo desta forma com uma reflexão mais aprofundada acerca do tema Ludicidade.



A CRIANÇA E O KARATE-DO (continuação 2)

O Caminho para a Consciência Crítica
Em alguns momentos, adotar-se-á o termo Karate-Do, ao invés de simplesmente Karate. O sufixo Do foi acrescentado por Gichin Funakoshi[1], fazendo com que a Luta ganhasse um significado mais amplo:
Do, que significa um “caminho” ou “via” para o aprimoramento pessoal, tem vida própria, quer seja o Do de Budo, “artes marciais”, ou o Do das várias outras artes. Precisamente por ter vida própria é que está sujeito ao ciclo inevitável de desenvolvimento e declínio. Ele está sempre mudando, mas só em sua forma exterior sua natureza fundamental permanece imutável. Se o caminho atrai uma pessoa para percorrê-lo, ele floresce; caso contrário, ele definha. O Caminho do Karate pode ser chamado com justiça de um Budo que se manifesta de forma nova e que busca zelosamente pessoas que por ele sigam (Funakoshi, 1988, pp. 11 e 12).

A partir desta mudança realizada por Funakoshi, as pessoas começaram a ter outra relação com o Karate. Começaram a enxergar que o mesmo não era só uma técnica de autodefesa, mas que poderia ser também “Um Modo de Vida” (Funakoshi,1975). Quando se abre espaço para um novo paradigma, inevitavelmente surgem a dúvida, a discussão e o questionamento diante da realidade (Freire,1979). E é justamente por este diferencial filosófico-crítico, que se faz urgente a mudança no que diz respeito ao trato com crianças.
Formulando-se uma hipótese sobre as causas do panorama atual, pode-se imaginar que historicamente, cada pessoa que ia formando-se faixa preta (no início do século XX), ao começar a ministrar suas aulas, de um modo geral, apenas reproduziam o que lhes fora ensinado por seus Sensei[2](professor).
No início, o público principal que frequentava os Dojo[3], era de adultos (homens na grande maioria). Com o tempo este público foi ficando mais diversificado e os pais começaram a matricular seus filhos, para “gastar energia” ou ainda, para “ganharem mais disciplina”. O problema se dá – provavelmente - quando este público muda, mas a metodologia de aula continua a mesma. Esta preocupação – em se ter um olhar diferenciado para o público infantil – só deve ter começado a aparecer no momento em que alguns praticantes de Karate se viram sob a necessidade de ter uma formação diferenciada, para tornarem-se professores mais bem preparados[4].
Ainda assim, o fato do praticante cursar uma faculdade de Educação Física, não garantiria que o mesmo tivesse uma consciência crítica diante da sociedade (Barbosa, 2007). Muitas vezes – ainda hoje - o professor é formado em Educação Física, mas continua apenas reproduzindo o que seu Sensei ensinou.
Deve-se buscar uma consciência crítica acerca da realidade que permeia todo este universo da luta. E ao transpor essa realidade à criança, que seja de forma única, como se a informação houvesse sido criada especialmente para ela.  Um professor que queira ministrar suas aulas para crianças deve ter consciência de que a ludicidade é uma estratégia fundamental e necessária – quase que obrigatória – para que sejam respeitadas as características do educando. Mas como nos diz Paulo Freire, essa tomada de consciência não é algo espontâneo. Há que se conquistar:
A conscientização implica, pois, que ultrapassemos a esfera espontânea de apreensão da realidade, para chegarmos a uma esfera crítica na qual a realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o homem assume uma posição epistemológica. A conscientização é, neste sentido, um teste de realidade. Quanto mais conscientização, mais se “desvela” a realidade, mais se penetra na essência fenomênica do objeto, frente ao qual nos encontramos para analisá-lo. Por esta mesma razão, a conscientização não consiste em “estar frente à realidade” assumindo uma posição falsamente intelectual. A conscientização não pode existir fora da “práxis”, ou melhor, sem o ato ação – reflexão. Esta unidade dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens. Por isso mesmo, a conscientização é um compromisso histórico. É também consciência histórica: é inserção crítica na história, implica que os homens assumam o papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo. Exige que os homens criem sua existência com um material que a vida lhes oferece... A conscientização não está baseada sobre a consciência, de um lado, e o mundo, de outro; por outra parte, não pretende uma separação. Ao contrário, está baseada na relação consciência – mundo (Freire, 1979, p.15).

A partir desta tomada de consciência, é possível vislumbrar mudanças realmente significativas no processo ensino-aprendizagem.

Ensinar com Alegria

  Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre jamais... (Alves, 1994, p.3).

Algo muito importante para se entender a dimensão do que trata este escrito, é ter consciência de que o conteúdo Karate, é coadjuvante neste espetáculo. Ou seja: O Ator principal aqui deve ser a criança (Sousa, 1985). Muitas vezes alunos são “moldados” para que executem determinada técnica com perfeição, quando o ideal seria que a técnica pudesse ser adaptada a cada criança que a experimentasse. Para que este processo se dê de forma verdadeira, é fundamental que o professor esteja aberto a ensinar com alegria:

Pois ser mestre é isso: ensinar a felicidade.  “Ah!”, retrucarão os professores, “a felicidade não é a disciplina que ensino. Ensino ciências, ensino literatura, ensino história, ensino matemática...” Mas será que vocês não percebem que essas coisas que se chamam “disciplina’’, e que vocês devem ensinar, nada mais são que taças multiformes coloridas, que devem estar cheias de alegria? Pois o que vocês ensinam não é um deleite para a alma? Se não fosse, vocês não deveriam ensinar. E se é, então é preciso que aqueles que recebem os seus alunos sintam prazer igual ao que vocês sentem. Se isso não acontecer, vocês terão fracassado na sua missão, como a cozinheira que queria oferecer prazer, mas a comida saiu salgada e queimada... O mestre nasce da exuberância da felicidade. E, por isso mesmo, quando perguntados sobre a sua profissão, os professores deveriam ter coragem para dar a absurda resposta: “Sou um pastor da alegria...” Mas, e claro, somente os seus alunos poderão atestar da verdade da sua declaração (Alves, 1994, pp. 7 e 8).

Acredita-se que através do jogo, da brincadeira, do exercício adaptado ao lúdico, a criança desenvolve suas potencialidades biopsicosociais de forma prazerosa, com alegria.

A Ludicidade e o Educador

Educadores, onde estarão? Em que covas terão se escondido? Professores, há aos milhares. Mas professor é profissão, não é algo que se define por dentro, por amor. Educador, ao contrário, não é profissão; é vocação. E toda vocação nasce de um grande amor, de uma grande esperança (Alves, 1984, p.11).
Partindo desta diferenciação feita por Rubem Alves, torna-se mais simples tratar do tema ludicidade. Pois que para se lidar com ludicidade, não há espaço para preocupações com desempenho técnico perfeito, ou resultados em competições, ou quaisquer outras medidas exigidas pelo sistema capitalista de consumo dos dias atuais (Barbosa, 2007). Há que se ter um olhar mais sensível sobre o aluno. É necessário realmente ser um educador:
“O educador (...), habita um mundo em que a interioridade faz uma diferença, em que as pessoas se definem por suas visões, paixões, esperanças e horizontes utópicos” (Alves, 1984, p. 14).
Permitir à criança a experiência lúdica, ainda que em um espaço – o Dojo - em que se imagina que só caiba seriedade, exercício, técnica e repetição, é permitir que ela seja criança em sua essência. É permitir que se mostre ao mundo como ela é: seus sonhos, seu imaginário, seu verdadeiro eu, ao invés de mostrar somente obediência, disciplina e desempenho. Acredita-se que ao inserir o elemento ludicidade no contexto da luta, além do aprendizado se dar de forma facilitada, contribui-se ainda para que o aprendiz associe a atividade a algo prazeroso, divertido, fazendo com que a mesma fique registrada em sua memória afetiva de forma positiva (Stanislavski, 1976).
A Ludicidade, neste contexto, não se realiza como meio de entretenimento gratuito, como fuga da realidade. Ao contrário: serve para que se conheça mais a fundo o seu aluno. Para que se vivencie a corporeidade em sua plenitude e tudo o mais que nela esteja inserido, (Moreira, 2006). O educador então amplia ainda mais sua missão: Só ensinar o Karate não basta. É preciso que o educador o faça respeitando a fase de desenvolvimento em que seus alunos se encontram, suas particularidades enquanto crianças, o contexto atual em que vivem, seus projetos e sonhos, enfim: Que ele seja educador.

Considerações Finais
Não se propõe aqui a Ludicidade como elemento alienado ou alienante da realidade (Freire, 1979), mas como parceiro do conteúdo, como instrumento para um melhor entendimento e também para que o aluno vivencie diferentes situações em vários aspectos: cognitivo, psicomotor, afetivo e social.
Não se exclui também a possibilidade da competição, porém, esta será colocada de outra forma pelo professor: A competição aqui passa a ser um motivador, um dia de integração com outros praticantes, onde se pode estimular o sentido da auto superação e até mesmo de se saber como agir numa situação de estresse emocional. Sem a obrigação neurótica com a vitória a todo custo, a competição se torna também um instrumento pedagógico.
Que este trabalho possa provocar uma reflexão sobre a importância de se lidar com a criança de maneira especial: Com um olhar mais sensível, integral, ético e criativo. Que possamos proporcionar aos educandos o melhor de nós mesmos, fazendo de nossas aulas (sejam elas de Karate ou qualquer outra disciplina), um momento realmente significativo.

O corpo é o lugar fantástico onde mora, adormecido, um universo inteiro. Como na terra moram adormecidos os campos e suas mil formas de beleza, e também as monótonas e previsíveis monoculturas; como na lagarta mora adormecida uma borboleta, e na borboleta, uma lagarta; como nos sapos moram príncipes e nos príncipes moram sapos(...) Tudo adormecido... O que vai acordar é aquilo que a Palavra vai chamar. As Palavras são entidades mágicas, potências feiticeiras, poderes bruxos que despertam os mundos que jazem dentro dos nossos corpos, num estado de hibernação, como sonhos. Nossos corpos são feitos de palavras... Assim, podemos ser príncipes ou sapos, borboletas ou lagartas, campos selvagens ou monoculturas (...) os nossos corpos, ao nascer, são um caos grávido de possibilidades, à espera da Palavra que fará emergir, do seu silêncio, aquilo que ela invocou. Um infinito e silencioso teclado que poderá tocar dissonâncias sem sentido, sambas de uma nota só, ou sonatas e suas incontáveis variações... A este processo mágico pelo qual a Palavra desperta os mundos adormecidos se dá o nome de educação. Educadores são todos aqueles que têm este poder (Alves, 1994, pp.34 e 35).



Referências Bibliográficas
ALVES, Rubem – A Alegria de Ensinar – ARS Poética Editora - 1994.
ALVES, Rubem – Conversas Com Quem Gosta de Ensinar – Cortez
Editora – São Paulo, SP – 1984.
BARBOSA, Claudio Luis de Alvarenga – Educação Física Escolar: Da
Alienação à Libertação – Editora Vozes, Petrópolis, RJ – 2007.
BOAL, Augusto – Jogos Para Atores e Não-Atores – Editora Civilização Brasileira, Rio de janeiro, RJ – 1998.
BOAL, Augusto – Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas – Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, RJ – 1980.
FREIRE, Paulo – Conscientização: Teoria e Prática da Libertação;
Uma Introdução ao Pensamento de Paulo Freire - Moraes, São Paulo-SP, 1979.
FREIRE, Paulo – Pedagogia do Oprimido – Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro – RJ, 1987.
FUNAKOSHI, Gichin – Karatê-Do Nyumon – Texto Introdutório do
Mestre - Editora Cultrix , São Paulo - SP, 1988.
FUNAKOSHI, Gichin - Karatê-Do – O Meu Modo de Vida – Editora
Cultrix, São Paulo, SP, 1975.
MOREIRA, Wagner Wei – Educação Física & Esportes – Perspectivas
Para o Século XXI – Papirus Editora, Campinas, SP – 2006.
SOUSA, Herbert. Como se faz Análise de Conjuntura: Vozes – Rio de 
Janeiro, RJ - 1985.
STANISLAVSKI, Constantin – A Preparação do Ator – Civilização
Brasileira, Rio de Janeiro, RJ – 1976.
VÁZQUEZ, Adolfo Sanchez – Filosofia da Práxis – Editora Paz e Terra,
São Paulo, SP, 1990.
VELTE, Herbert - Dicionário Ilustrado de Budô – Artes Marciais do 
Oriente – Ediouro, Rio de Janeiro, RJ, 1981.



[1] Gichin Funakoshi foi o professor que levou o Karate de Okinawa para Tóquio, fazendo com que a Luta ganhasse muita visibilidade. Ele é considerado por todos os praticantes, o “Pai do Karate Moderno”.
[2] Por tratar-se de um termo de origem japonesa, não se aplica o plural como na língua portuguesa, assim como as palavras ‘Kata” e “Dojo” (Velte, 1981).
[3] Dojo é a sala onde se treina a luta japonesa de um modo geral: Karate, Judo, Sumo, Aikido, dentre outras. Literalmente, Dojo significa “Local do Caminho”.
[4] E aqui não vai nenhuma crítica específica àqueles que continuaram  ministrando suas aulas sem ter a formação em Educação Física. É apenas uma análise sobre a realidade do Karate em nosso país.